domingo, maio 29, 2005

Filmes, filmes

Almodóvar surpreende sempre. Para o bem e para o mal. Que diabos o Caetano está fazendo em Fale com Ela? Figura entre as cenas mais desgraçadamente lastimáveis do cinema sério. Entretanto, transforma-se em algo perdoável quando surgem as cenas do filme mudo. Aquilo, uma viagem digna, bacana!
Talvez estivesse esperando demais do filme e por isso não tenha me impressionado tanto como em Tudo sobre minha mãe. Os dois filmes conseguem contar histórias tocantes sem clichês noveleiros, porém Tudo é mais forte, tem mais pegada.
Preciso assistir aos dois de novo.

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Celebridades, um dos melhores de Woody Allen, consegue articular diversas faces dessa peste que é o Caras’s way mostrando como a contemporaneidade anda repleta de gente banal que se crê genial, pessoas frustradas e terrivelmente inseguras, egocêntricas, cruéis e vazias. E apesar de tudo, ele consegue fazer (muita) graça com isso!

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No filme, Kenneth Branagh (interpretando Woody Allen, perfeito) faz o papel de um jornalista que cobre esse mundinho. Durante uma entrevista a uma atriz famosa, para criar um clima de “foi aqui que tudo começou”, eles decidem visitar a casa em que ela nasceu. A impressão da atriz é a de que a casa era menor. “Acontece com freqüência.” – responde o jornalista.
Como deu para perceber, a cena não tem nada de mais. Mas lembrei dela apenas porque ontem (28/05), o prefeito José Serra após uma solenidade decidiu visitar a casa onde ele viveu quando adolescente, no bairro do Ipiranga. “A janela ainda é a mesma e meu quarto parecia bem maior”.
Deve significar alguma coisa, sei lá.
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Se Star Wars seguisse uma ordem cronológica e o Episódio IV ainda precisasse ser filmado, Kenneth Branagh bem que poderia interpretar Obi-Wan...

Histórias de bar

A história abaixo é contada por Aluízio Falcão em matéria do Caderno 2 de sábado (28/05). Nela, ele comenta duas obras que tratam da boêmia paulistana e lamenta a falta de trabalhos sobre os bares da cidade.
PS: Tomara que não encontre nenhuma celebridade nos próximos dias.
Era conhecido como Zé do Pé. Advogado e funcionário de uma autarquia federal, andava pelos bares em companhia da elite paulistana, desde o happy hour até altas horas. Andar com gente importante era sua maior alegria. E os grandes apreciavam sua verve, inteligência, ritmo perfeito no levantamento de copos.
Ainda hoje corre pela noite o que se passou entre Zé do Pé e o banqueiro Walter Moreira Salles. Zé não conhecia Walter, que certa vez adentrou o bar do Hotel Jaraguá e foi caminhando em direção ao banheiro. Passou batido pela mesa onde o boêmio estava com os amigos aristocratas. Vendo aquela celebridade e animado pelo bom scotch, Zé teve uma idéia. Dirigiu-se ao banheiro, onde encontrou o financista.
- Doutor Walter, desculpe abordá-lo, o senhor não me conhece, mas venho pedir-lhe uma grande gentileza. Não é dinheiro não, fique sossegado. Acontece, doutor Walter, que o meu prazer na vida é estar próximo de pessoas importantes que fazem o favor de me estimar. Eu seria um homem feliz se pudesse dizer aos amigos que estão comigo, naquela primeira mesa, que o doutor Walter Moreira Salles me conhece. Basta que o senhor, passando na mesa onde estou, ponha a mão no meu ombro e diga "tudo bem, Zé?". Nada mais que isso. Eu respondo "tudo bem, doutor Walter", e o senhor vai embora.
O banqueiro, perplexo, escutou o pedido feito naquele tom entre desabafo e afetividade que só os boêmios veteranos conhecem. Que diabos, pensou Walter, o que me custa saudar rapidamente este homem carente de prestígio? Optou pela gentileza, prometeu a saudação. Zé do Pé agradeceu, de olhos úmidos, voltou para o seu canto no bar.
Daí a minutos, lá vem o famoso banqueiro. Pára na mesa indicada. Todos os olhares voltam-se para ele, que põe cordialmente a mão no ombro de Zé do Pé e faz a pergunta combinada: "Tudo bem, Zé?" E Zé do Pé, triunfante, com absoluta intimidade, empurra bruscamente aquela mão do seu ombro: 'Ah, Walter, não enche o saco!' O banqueiro retira-se, aturdido. Os amigos do boêmio passam a crer piamente no comentário que ele fizera minutos antes, ouvido com absoluta descrença: "Tudo que temo é o chato do Walter Moreira Salles vir puxar conversa comigo..."

Choro e ranger de dentes

Quem gosta de futebol e não assistiu à final da Liga dos Campeões da Europa entre Liverpool e Milan sabe que caiu em desgraça irremediável. Sabe também que ver os gols e os melhores momentos nos programas esportivos não trouxeram consolo. Pelo contrario, aumentaram a dor e desolação. Ler as notícias e artigos como o de Silvio Lancelotti não ajudaram pois ali se tem a dimensão e gravidade da perda.
Responsabilizar o trabalho e espancar o chefe como represália apenas causará sua demissão e pode dificultar os planos de assinar todos os canais esportivos disponíveis (mesmo sabendo que a tv a cabo vai causar um rombo no orçamento que sua família não recupera em três gerações). E tornar-se um pária social e mergulhar na vida monástica para acompanhar até a terceira divisão do campeonato nepalês na esperança de presenciar uma partida como aquela será uma tentativa tola e inútil. Não há redenção possível.

sábado, maio 28, 2005

Já ia me esquecendo

Dom Fernando, o Desejado dos Trópicos, disse esta semana que o país está sem rumo como um “peru bêbado em dia de carnaval”. É isso aí, haute culture neles!

quinta-feira, maio 26, 2005

Terra da garoa, modo de dizer.

Não era piada?
Circulava um e-mail tempos atrás sobre como seria noticiado um eventual fim do mundo, segundo o estilo de cada veículo. O Estadão publicaria a seguinte manchete: PT e CUT envolvidos no fim do mundo.
Pois bem, o editorial de hoje (26/05) a respeito das chuvas traz a seguinte preciosidade da isenção jornalística nativa: “Em vias movimentadas, como a Avenida 9 de Julho, as galerias são as mesmas de 50 anos atrás. Na administração Marta Suplicy,a 9 de Julho foi reformada e apresentada como a avenida mais moderna de São Paulo. Semanas depois da inauguração, a velha galeria de tijolos construída nos anos 50 se rompeu, abrindo grande brecha na pista de asfalto.”

Pérola
O prefeito José Serra disse que nada poderia ter sido feito diante de um “minitsunami” que se abateu sobre a cidade.
Governo de torneiro mecânico não dá, não dá.

E no meio de tanta desgraça
Duas frases muito boas:
“É o que dá fazer cidade em cima de brejo!”, Frank Jones, baiano de Itabuna.
“O pessoal está reclamando do quê? Vai dizer que não vieram para São Paulo de pau-de-arara? Só que a gente pegava o pau-de-arara para fugir da seca. Agora é para fugir da chuva”. José Gomes dos Santos, pernambucano, ao ultrapassar trecho alagado a bordo da caçamba de um caminhão.

Oliver Sacks

O neurologista e escritor Oliver Sacks esteve no Brasil para uma palestra e concedeu entrevista publicada no Estadão, domingo passado. Trechos...


A maioria das síndromes e doenças sobre as quais o senhor trata em seus livros é incurável. Onde o senhor busca forças para continuar a dar apoio a essas pessoas sem acreditar numa força sobrenatural capaz de ajudá-las? A ciência lhe dá estímulo suficiente para continuar a luta?
São três perguntas numa só. Em primeiro lugar, sendo doenças incuráveis, é nossa obrigação lutar para melhorar a qualidade de vida desses pacientes. A situação, hoje, é bem melhor que há 20 anos, quando se sabia pouco sobre síndromes incomuns. Não vejo como Deus possa ajudar nisso. De qualquer modo, trabalho com religiosos, católicos e judeus, e respeito suas crenças, mas eu, particularmente, não sinto necessidade de acreditar numa entidade sobrenatural. Para mim, o natural basta.
O senhor se considera um misto de cientista e poeta? Que papel tem a literatura em sua ciência?
Não sei como me autoclassificar, mas não seria pretensioso a ponto de dizer que sou poeta. A linguagem literária é muito importante para mim. Não consigo separar o ato de escrever do de pensar. Às vezes não sei o que estou sentindo até colocar no papel minhas impressões. (...)
Há um filme chamado Pi, dirigido por Darren Aronofsky, que parece ter como modelo o senhor, um inveterado fã da tabela periódica. É a história de um homem afogado em combinação numérica e periodicidade.O senhor acredita que o mistério do universo possa ser desvendado com a ajuda de uma tabela periódica de elementos relacionados uns com os outros?
(Tirando a carteira do bolso e mostrando a cópia de uma tabela periódica) Bem, em se tratando de matéria, é natural que essa tabela faça algum sentido. Naturalmente, estamos falando de matéria visível e não de antimatéria. Imagino que nem o melhor dos computadores possa desvendar esse mistério em trilhões de anos, mas isso não me faz desacreditar da ciência. Não creio que vamos chegar um dia à solução de todos os problemas ou esgotar nossa curiosidade. Tampouco que nossa criatividade chegue ao fim. Não, não vamos nos transformar em vacas. Pelo menos é o que espero.

sábado, maio 21, 2005

Estréias

1. Gosto de Star Wars e pretendo assistir ao novo filme, juro. Por todas aquelas coisas que vêm sendo repetidas à exaustão: os heróis de infância, os vilões, a história, por isto, por aquilo. Mas confesso, ando com os nervos abalados devido a infernal campanha publicitária e o onanismo espacial dos fãs que tomaram conta dos meios de comunicação nessa semana. Em casa, tenho medo de abrir o leite pela manhã e ouvir a marcha Imperial.

2. Se não me engano, O Retorno de Jedi foi o primeiro filme a ser exibido na Tela Quente, da Globo. Só não lembro quem surgiu antes, se os Ewoks ou Roberbill e Roberbella dos Thundercats.

3. Algumas críticas apontam o Episódio III como uma alegoria da Era Bush. Não estão levando o filme a sério demais? Deve ser alguma coisa no leite.

4. Nesse final de semana, Terra em Transe reestréia em cópia restaurada. Assim como na estréia de Star Wars, a platéia também deve aparecer fantasiada como os personagens do filme. Com a diferença de que ela não muda de roupa quando volta para casa.

5. Poderia dizer que o mesmo se aplica para Quanto vale ou É por quilo?, o novo filme de Sérgio Bianchi que também estréia nos cinemas. Mas aí estaria exagerando. É o leite! É o leite!

terça-feira, maio 17, 2005

De um marcador de página

“Não existe nada mais profundo e poderoso do que este livro. Se o mundo acabasse e no Além nos perguntassem: “Então, o que você aprendeu da vida?”, poderíamos simplesmente mostrar o D. Quixote e dizer: “Está é a minha conclusão sobre a vida. E você? O que me diz?”.
Fiódor Dostoiévski
Adivinhem como estou me sentindo?

domingo, maio 15, 2005

Alegria do povo

Enciclopédia

O caderno de Esportes do Estadão desse domingo traz uma reportagem sobre o Nilton Santos. A matéria me deixou muito contente porque, além das curiosas histórias que o homem tem para contar (coloquei duas aí embaixo), diferentemente do que pensava, ele está vivo. E faz 80 anos amanhã!

"O campeão que ignorou, com dignidade, terem omitido seu nome na lista dos '100 mais' da Fifa, há dois anos - 'o Pelé esqueceu e pronto' - é o mesmo que, em 1965, deu um tapa no juiz Armando Marques em pleno Pacaembu, por causa de um dedo em riste. 'Era um jogo com o Corinthians. Ele veio pra cima de mim daquele jeito e pensei: se eu me curvar, o que é que eu vou dizer pro meu filho ao chegar em casa?' Nilton tinha cacife para fazer isso sem estragar a carreira."

"O Mané (Garrincha) era ótimo. Um dia, na Holanda, ele saiu driblando cinco ou seis e voltou pro meio campo. Gritei com ele pra chutar a gol e ele respondeu: ´O seu Zezé mandou prender a bola’."

Solução

Todo mundo sabe que mais do que um técnico, o Corinthians está precisando mesmo é de um centroavante matador. Nesse caso, a melhor contratação sem dúvida é Umbabarauma, ponta de lança africano, que segundo Jorge Ben

Pula, pula, cai, levanta
Sobe e desce
Corre, chuta, abre espaço
Vibra e agradece

Umbabarauma, homem gol, é ou não é a cara do Corinthians?

segunda-feira, maio 09, 2005

Enquete da semana

Se o Passarella não é brasileiro, por que ele não desiste nunca?

quinta-feira, maio 05, 2005

Gente que bloga

Estou ficando viciado nesse negócio. Comecei a ler outro blog. Culpa do Garatujas, para variar. Meus advogados entrarão em contato.

Direito de resposta

1.Que livro você gostaria de ser?
Se um viajante numa noite de inverno (Italo Calvino).

2. Você já ficou meio apaixonado(a) por um personagem de ficção?
Apaixonado, não. Mas a Sabina de A insustentável leveza do ser é um mulherão.

3. Qual foi o último livro que compraste?
Uma biografia do Oliver Cromwell (O Eleito de Deus, Christopher Hill)

4. Que livros estás a ler?
Ler talvez não seja o verbo mas na cabeceira da minha cama repousam A sociedade contra o social (Renato Janine Ribeiro) e O mundo assombrado pelos demônios (Carl Sagan).

5. Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
- Dom Quixote – porque vivendo numa ilha deserta não haveria mais desculpa para não ler;
- Moby Dick – para pensar duas vezes antes de tentar sair da ilha;
- O Príncipe – porque eu gosto;
- contos de Machado de Assis – sirva-se com o melhor;
- crônicas do Verissimo – para não enlouquecer;

6. A quem vais passar este testemunho e por quê?
Tudo começou no Garatujas & Garapas. Fui acusado de ter bom gosto e por isso vim a público me defender. Muito obrigado.

Espírito nacional

Era o Drummond quem achava bunda a palavra mais bonita da língua portuguesa? Não lembro. Mas a esfinge brasileira é mesmo a bunda. Se entendermos o que é a bunda e exatamente em que circunstâncias funciona, descobriremos a essência da brasilidade. Estou falando da bunda nacional, claro.
Nossa ligação com a bunda, para variar, tem origem colonial. Um país dessa dimensão e com as costas que temos logicamente teria uma bunda proporcional. Esse superlativo anatômico do país foi cobiçado por outras nações européias até a independência.
Quando nos transformamos numa nação, ela deixou de ser um predicado físico e transformou-se num atributo moral. Momentos de ímpeto nacional necessitam de virtudes compatíveis – bunda mole, não. Aos poucos, tornou-se um símbolo nacional exibido nos rostos de cada um dos brasileiros.
Há alguns anos, o Ziraldo editou uma revista chamada Bundas justamente para fazer graça e oposição à revista Caras. Infelizmente, Ziraldo talvez não tenha percebido que bunda no Brasil é situação e talvez por isso a revista acabou cedo. Música brasileira para vender também tem que falar dela senão encalha.
Por isso, quando o Lula diz que o brasileiro é “incapaz de levantar o traseiro da cadeira” e mudar de banco que cobra juros escorchantes, por meio de um eufemismo (traseiro), o presidente procura despertar o país. E para isso volta a falar de bunda. Aquela que nos é sempre requisitada nos momentos de crise.

Nova classe trabalhadora

Reportagem do JN Especial 40 anos Globo sobre o primeiro emprego. Segundo um especialista, as qualidades necessárias para os candidatos aos novos postos de trabalho são o espírito de equipe e a criatividade.
Exemplo: programas de incentivo, metalúrgica, peão de fábrica, jovem, 19 anos, efetivado depois de um ano, 600 reais, feliz, “quase o triplo do que eu ganhava no período de adaptação”.
Outro exemplo: multinacional, jovem, 19 anos, criativo, espírito de equipe, webmaster, aprovado em seleção (26000 candidatos, 20 vagas), 3 paus por mês. Na matéria, o distinto aparece jogando futebol no PC. Espírito de equipe ele tem. Jogava com a seleção brasileira. Criatividade também: tabela pelo meio, cara a cara com goleiro, golaço.
Na famosa cena de Tempos Modernos, em que Chaplin repete incessantemente o movimento de apertar parafusos, acreditávamos que a alienação era causada pelo trabalho repetitivo feito no chão da fábrica. Hoje, ficar sentado na frente de um computador testando jogos, por exemplo, pode ser considerado um trabalho criativo. Para aqueles que ainda não se conformaram por serem governados por um ex-torneiro mecânico, anunciam-se os novos líderes: ex-desenvolvedores de jogos para PC. Progresso é isso.

domingo, maio 01, 2005

Que ninguém nos ouça

E voltamos a falar de música. Quem disse que música sertaneja não é engajada? Apesar de ter sido composta em 1983, ela bem que poderia se transformar na trilha sonora deste primeiro quarto do ano. Reparar nas rimas ricas e no tom solene do refrão. O importante é manter o bom humor.
Burro que fugiu do laço tá debaixo da roseta
Quem fugiu de canivete foi topar com baioneta
Já está no cabo da enxada quem pegava na caneta
Quem tinha mãozinha fina, foi parar na picareta
Já tem doutor na pedreira dando duro na marreta
A coisa tá feia a coisa tá preta
Quem não for filho de Deus tá na unha do capeta

Criança na mamadeira já está fazendo careta
Até o leite das crianças virou droga na chupeta
Já está pagando o pato até filho de proveta
Mundo velho é uma bomba girando neste planeta
Qualquer dia a bomba estoura é só relar na espoleta
A coisa tá feia a coisa tá preta
Quem não for filho de Deus tá na unha do capeta

Quem dava caixinha alta já está cortando a gorjeta
Já não ganha mais esmola nem quem anda de muleta
Faz mudança na carroça quem fazia na carreta
Colírio de dedo duro é pimenta malagueta
Sopa de caco de vidro é banquete de cagueta
A coisa tá feia a coisa tá preta
Quem não for filho de Deus tá na unha do capeta

Quem foi o rei do baralho virou trouxa na roleta
Gavião que pegava cobra já foge de borboleta
Se o Picasso fosse vivo ia pintar tabuleta
Bezerrada de gravata que se cuide e não se meta
Quem mamava no governo agora secou a teta
A coisa tá feia a coisa tá preta
Quem não for filho de Deus tá na unha do capeta