segunda-feira, novembro 28, 2005

Apelo

Dalton Trevisan

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Professor procura II

O Estadão de 13/11 publicou uma entrevista em página dupla com o prefeito José Serra. Não havia comentado a entrevista até agora porque tomei conhecimento dela hoje. Perdeu um pouco da graça tecer qualquer consideração a respeito da entrevista. Via de regra, as entrevistas com políticos estão padronizadas no "levanta que eu corto". Por que não fazem auto-entrevista de uma vez?
A diversão mesmo ficou por conta do box com uma frase "Quero a volta do ensino da taboada". Nele, lemos que o prefeito adotou uma "atitude inusitada": uma vez por semana o prefeito comparece a uma escola pública para ensinar a criançada. Segundo o prefeito, além de ser uma atividade relaxante, ele pode acompanhar melhor os dramas da educação brasileira. Trabalho de campo diletante.
Segundo a reportagem, o prefeito ensina Matemática para crianças da terceira e quarta série do ensino fundamental. Ele distribui palitos de fósforo para cada aluno e pergunta qual o time de futebol de sua preferência, reunindo essa informação para ensinar gráficos e tabelas para a turma.
Minha imaginação pedagógica não alçou os mesmos vôos e não entendi que papel cumpririam os fósforos naquela aula. A reportagem talvez por considerar sua função óbvia demais não explicou a razão deles estarem ali. Apesar da minha imaginação pedagógica deficiente, acho arriscado brincar com a imaginação de crianças munidas com fósforos, haja visto o que algumas delas esperam da escola. Melhor tentar com giz.

terça-feira, novembro 22, 2005

Professor procura

A diferença entre desocupado e desempregado é que o segundo não é remunerado e dificilmente consegue construir patrimônio nessa profissão. Como para se tornar um desocupado deve-se primeiro arranjar uma ocupação para depois ignorá-la, final de ano é época de imprimir currículo em tiragem de jornal e sair por aí batendo porta de colégio. Somos pessoas em busca das instituições. Ao contrário dos xerifes de faroeste americano, nós colamos os cartazes nos postes com a frase Procurando.
Ser professor é a segunda coisa que sei fazer melhor na vida (a primeira é jogar dominó). Gosto da profissão. Chatos são os professores. O número de xícaras numa sala de professores explica-se pela quantidade de pessoas com a profundidade de pires que circulam por lá. Está aí S. que não me deixa mentir.
Por falar em S. , já que andamos estabelecendo novos contatos no orkut, meu atual hobby é visitar comunidades dedicadas aos professores e discussões sobre a docência. E descobri que não existe uma comunidade chamada Pérolas dos Professores. Uma pena.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Desculpas

A crônica do Verissimo abaixo foi publicada domingo passado. Embora ele tenha acertado alguns palpites recentemente, não tem a ver com o jogo de ontem. Ou não só.
E esse também é meu covarde pedido de desculpas pela ausência nas últimas semanas.
Comprados
"O Tatu tá comprado." A frase percorreu o vestiário, dita baixinho, antes do time entrar em campo. Significava que o goleiro do time adversário tinha concordado em facilitar a entrada da bola no seu gol mediante uma compensação financeira. Ou, resumindo: o Tatu tava comprado. Bastava chutarem contra o gol do Tatu, de qualquer distância, que o Tatu aceitaria. O jogo estava ganho.
Como o jogo estava ganho, o pessoal relaxou. Não só não chutou nenhuma bola, de qualquer distância, contra o gol do Tatu, como levou dois gols, em poucos minutos, do adversário. Aliás, gols estranhíssimos. Que provocaram uma suspeita: assim como o goleiro do outro time tinha sido subornado, o deles também poderia ter sido. O Valmor também tava comprado! Começaram a pressionar, para diminuir a diferença. Chutaram quatro bolas contra o gol do Tatu. Duas foram para fora, uma bateu na trave e a outra o Tatu defendeu sem querer. Enquanto isso, o Valmor deixava passar outra bola pelo meio das pernas. Três a zero para o adversário. O jogo estava quase perdido.
No vestiário, no intervalo, o Valmor reagiu com violência à insinuação de que estava comprado só porque deixara passar três bolas pelo meio das pernas. Se estivesse comprado, falharia de modo tão evidente, para não deixar dúvidas? Podia ser ruim, mas não era burro, e muito menos desonesto. O argumento do Valmor foi aceito, todos se desculparam por terem desconfiado dele, e ele foi substituído pelo Nono, que tinha sido comprado e prometera 10% do que ganharia ao Valmor por provocar sua própria substituição.
O técnico Bentinho puxou o centroavante Ramiro para um lado. Iam mudar de tática. Em vez de chutar contra o gol do Tatu de qualquer distância, o Ramiro deveria tentar entrar na área a drible. Assim daria oportunidade ao Tatu de sair do gol e derrubá-lo. Pênalti. Quatro pênaltis como aquele e o jogo estava ganho.
A ordem era: bola para o Ramiro. Para ele entrar na área a drible e ser derrubado pelo Tatu. Mas o Ramiro recebia a bola e a devolvia. Ou pegava a bola na entrada da área e, em vez de arrancar para o gol, recuava. O Bentinho aos berros: "Entra na área! Entra na área!" O Tatu aos berros: "Entra na área! Entra na área!" E o Ramiro recuando, passando para os lados, fazendo tudo menos entrar na área para sofrer o pênalti. O Tatu ficou tão impaciente que a certa altura saiu do gol e foi derrubar o Ramiro lá na intermediária. Não era pênalti, mas funcionou. Quem bateu a falta chutou fraco mas acertou o gol, o Tatu fingiu fazer golpe de vista e a bola entrou no canto, três a um. Cinco minutos depois a defesa atrasou uma bola para o Tatu, que a deixou passar. Três a dois. Só faltava o Ramiro entrar na área e sofrer um pênalti e o jogo estava ganho.
Desde que o Nono, comprado, não aceitasse nenhum gol do adversário. Nono aceitou, duas bolas chutadas de longe, mas nos dois casos o bandeirinha daquele lado, que também tava comprado, deu impedimento. Ramiro se surpreendeu ao ouvir o juiz lhe dizer, num cochicho "Entra na área! Entra na área!" Ele não podia entrar na área e sofrer o pênalti. Estava comprado. Mas qual era a do juiz? O juiz: "Entra na área ou eu te expulso!" Bentinho de fora do campo: "Entra na área ou eu te arrebento!" Tatu, do gol: "Entra na área ou eu vou aí te quebrar!" O Ramiro não sabia o que fazer.
Ramiro entrou na área. Quando o Tatu saiu do gol e quis derrubá-lo, pulou por cima do Tatu e chutou para fora. Mas o juiz deu o pênalti assim mesmo! Também tava comprado. Ramiro fingiu que tinha se machucado para não precisar chutar. Quem chutou foi o Massaroca. Para fora. Também estava comprado. Mas o juiz mandou bater de novo. O Massaroca errou de novo. O juiz mandou repetir. O Massaroca caiu no chão, simulando uma síncope. Grande confusão. Massaroca retirado do campo. Chegou correndo o Nono, gritando: "Deixa que eu bato!" Chutou fraco e em cima do Tatu, que foi obrigado a pegar. Mas ao fingir que ia repor a bola em jogo, Tatu deixou-a cair dentro do gol. Três a três. Bom para todo o mundo. O bandeirinha daquele lado ainda quis insistir que havia irregularidades: no lance, invasão da área pelo time atacante, o Ramiro dando uma voadora no juiz, os padioleiros, que estavam comprados, despejando o Massaroca no chão só de raiva, etc. Mas ninguém lhe deu atenção. O empate estava bom. Era só o que faltava, um honesto querendo estragar tudo. O juiz apitou. Mesmo faltando 15 minutos, o jogo estava encerrado.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Pobre Marianne

Os distúrbios na França que já ameaçam se espalhar para outros países da Europa lembram aquela história nada edificante do marido que não sabe porque bate na Marianne, mas ela sabe porque está apanhando.
As declarações de Nicolas Sarkozy após a morte dos dois jovens e dos primeiros incidentes agravaram o quadro dos distúrbios ocorridos na França na última semana, mas o ministro não pode ser o único responsabilizado pela sua falta de jeito. Dialogar com "a gentalha" não é o forte da "ordem republicana" francesa já há algum tempo.
O pacote econonômico apresentado pelo governo para melhorar a vida nos bolsões de pobreza mostra a distância entre o discurso integracionista e a realidade dos jovens da periferia, imigrantes em sua maioria, que se revoltaram por serem sistematicamente ignorados pela "republicana" e constantemente maltratados pela "ordem".
E como lembrou Gilles Lapouge em artigo no Estado, o estado de emergência decretado pelo primeiro-ministro Dominique de Villepin só foi aplicado uma vez, durante a Guerra da Argélia, o que representa uma péssima evocação. Principalmente porque pode levar ao acirramento dos ânimos entre os radicais dos dois lados. Mas os maníacos liderados por Le Pen tem chances reais de chegar ao poder.

domingo, novembro 06, 2005

PSN

Senadora Heloísa Helena, senador Artur Virgílio e deputado ACM Neto,
venho por meio desta esclarecer a Vossas Excelências que o PSN (Partido dos Sem-Noção) assim como seu presidente de honra, o personagem Joselito, são peças de ficção de autoria da dupla Hermes & Renato.
Dessa forma, as ameaças à integridade física do Excelentíssimo Sr. Presidente da República não implicam em filiação automática de Vossas Excelências a uma agremiação política que não possui registro oficial.
Acredito ainda que uma filiação honoris causa pode ser sugerida aos criadores da atração.
Atenciosamente.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Bem-vindo

Felipe,
desculpe o despreparo, mas ninguém esperava pela sua chegada ontem. Para você ter uma idéia, recebi a notícia enquanto bebia cerveja e jogava sinuca num boteco. Bom sinal.
Por falar nisso, ontem também, o Inter perdeu o jogo e isso significa que, apesar da derrota para o Cruzeiro, o Corinthians continua com seis pontos de vantagem. Ufa! Vá se acostumando a passar apuro com esse time.
Charles Bronson e Betinho também nasceram num dia 03 de novembro. Ou seja, o dia de seu nascimento não deve definir qualquer traço de sua personalidade. Fique tranqüilo.
Acho que vamos nos dar muito bem. Daremos boas risadas.
Mas está tarde, você teve um dia díficil, estamos cansados... é melhor irmos dormir.
Boa noite, meu querido sobrinho.