sexta-feira, maio 19, 2006

Vices


Não é fácil ser vice no Brasil. No esporte isso é quase compreensível, uma vez que de acordo com Nelson Piquet, o vice é o primeiro dos perdedores. É um truísmo que funciona perfeitamente para o simplificado mundo competitivo do perde-ganha.
Em política, o vice é o segundo dos ganhadores. Talvez aí resida a sua miséria.
O Brasil é cruel com seus vices porque o propósito de sua existência é cruel. O vice entra em cena nos momentos de morte, renúncia, oportunismo político ou qualquer outra desgraça institucional. Desconfiou-se do vice desde o início. O artigo 42 da Constituição de 1891 afirmava que o vice-presidente assumiria o cargo apenas se já houvesse transcorrido metade do mandato do presidente. Caso contrário, o vice assumiria e convocaria eleições imediatamente. Pois não deu outra: Deodoro renunciou com quase nove meses de mandato, Floriano assumiu e ao invés de convocar eleições, levou o mandato até o fim de maneira muito truculenta. Vices não são confiáveis!
Dali em diante, nenhum dos vices que assumiram o governo tiveram sossego. Café Filho ficou doente e foi impedido; João Goulart quase não tomou posse, assumiu o governo e sofreu um golpe; Pedro Aleixo sofreu um golpe dentro do golpe. Até hoje os teóricos da conspiração acreditam na participação de José Sarney na morte de Tancredo. O caso de Itamar Franco foi pior. Na impossibilidade de concederem um impedimento para ele também, resolveram ridicularizá-lo durante o resto do mandato. Marco Maciel foi discreto o tempo todo sabendo da aversão nacional ao cargo que ele ocupava. Os eleitores de Lula têm sérias restrições ao José Alencar. Aquele jeito bonachão não engana ninguém.
Aqui na Província, como não poderia deixar de ser, temos seguido a tradição. Alckmin era vice-governador e muitas das pessoas que torciam pela recuperação de Mário Covas não gostavam tanto assim dele. Gilberto Kassab é tão discreto que muitos paulistanos crêem não haver mais prefeito e vivem um parlamentarismo municipal. Claúdio Lembo entraria facilmente para a longa lista de vices discretos que apareceram na recente história política brasileira. Nove meses de mandato, talvez ninguém o notasse. Mas o caldo entornou justamente quando ele estava tomando conta da panela.
Nas duas entrevistas relacionadas abaixo, Lembo aborda uma série de questões do episódio(negociou ou não?) e outras estruturais (desigualdade social) de um ponto de vista surpreendente para alguém em sua posição e de seu partido. Tanto é que algumas pessoas acreditam que ele ficou louco. Pode ser. Mas talvez ele esteja tentando redimir uma categoria historicamente acuada e partiu para a ofensiva.

Entrevistas

Cláudio Lembo, na Folha de ontem e na Terra Magazine de hoje.
Comento outra hora.

quinta-feira, maio 18, 2006

Clica e vai

  • Terra Magazine: dirigida pelo Bob Fernandes, com Antonio Luis M. C. Costa, Jorge Furtado, Milton Hatoum entre outros. E mais: toda segunda uma nova tirinha das Cobras do Verissimo - a melhor notícia do ano até aqui!
  • Zica: bastou elencar a coluna do Franklin Martins aí ao lado e pouco tempo depois a TV Globo o dispensou. Se está relacionado ou não com a acusação do parajornalista, não sei, Dona Pureza, mas no Observatório tem toda a cobertura do caso.
  • Para não sentir que estou fazendo a mesma coisa e simplesmente tirar o link da página (que ainda é muito boa apesar de não ser mais atualizada), resolvi relacionar a página da CBN. E antes que digam "ih, ó o cara", me deixem explicar: além do Franklin Martins, também se pode ouvir os comentários de Juca Kfouri, Armando Nogueira, Xexéo e Cony, Arnaldo Jabor, Lucia Hippolito e Carlos Sardenberg, bastando para isso clicar no lugar certo. Lugar certo aí no sentido de "por sua conta e risco".
  • Dá até vergonha de falar, mas só descobri nesta semana que o Ivan Lessa publica textos na página da BBC Brasil. A vantagem é que podemos ler suas colunas desde 2002!
  • Mais ainda do que uma vergonha, esse sim um crime: descobri que a expressão "Clica e vai" é um plágio grosseiro e descarado da página do Millôr, outra que já deveria estar aqui ao lado. Como homenagem e para nos lembrar de que sou apenas um farsante, a expressão "Clica e vai" continuará ali onde nunca deveria ter entrado.
  • Engenhoso

    A chapa Geraldo Alckmin e José Jorge deve fazer parte de um plano para confundir os eleitores que pretendem anular o voto.

    segunda-feira, maio 15, 2006

    Resultados

    Jean-François Revel, filósofo francês falecido mês passado, admirava os EUA porque via ali uma sociedade-laboratório da globalização liberal. Para ele, se quiséssemos saber para onde esse modelo político-econômico estava nos levando, bastaria observarmos a sociedade americana. Era uma análise otimista, pró-americana e equivocada. Não apenas porque as medidas tomadas pelo governo norte-americano fariam John Locke revirar na tumba, mas também porque existem outros países que apresentam melhores laboratórios. Como o nosso, por exemplo.
    O sonho neoliberal tornou-se realidade aqui na Província: o Estado mínimo e tudo nas mãos da iniciativa privada. Ou como já disse o Verissimo, a substituição de uma cleptocracia para poucos por uma dinâmica cleptocracia de resultados. Falta de investimentos, ausência de uma política de segurança séria, policiais despreparados e grupos criminosos cada vez mais organizados. Não podia dar em outra coisa. A gente segue a receita, o bolo não cresce e ainda por cima queima.
    Como tudo piora, as soluções "cadeia ou IML"continuam ganhando adeptos. O autoritarismo do discurso 'direitos humanos para humanos direitos' - facilmente substituível por 'direitos humanos para humanos da direita' - está na ordem do dia. Mas ninguém admite ser essa a 'tentação totalitária'.

    A semanal

  • A matéria/entrevista da semana: justo quem, para quem, sobre quem e onde.
  • Conta-se que se a família Civita tivesse pedido um parecer ao ministro Roberto Campos a respeito da viabilidade da publicação de uma revista semanal de informação no Brasil, teriam ouvido que fariam melhor negócio se publicassem uma versão traduzida da revista Time. Mas naquela época quem fazia o papel de entreguista era o Bob Fields. Ou talvez fosse mais um visionário querendo nos poupar.
  • Do jeito que vai, a revista poderia assumir o alcoolismo de vez e mudar seu nome para 'Breja'.
  • sexta-feira, maio 12, 2006

    Jogo duro

    Agora passou da medida! Chega de convenções internacionais e bons modos. Devemos negociar à brasileira e dar duro neles. Estão pensando o quê? A proposta é a seguinte: trocamos o Acre pelo gás, eles levam o Hildebrando Pascoal e devolvem o cavalo. Dos bons, nada de lhamas!

    quarta-feira, maio 03, 2006

    Maus meninos

    O raciocínio brasileiro a respeito da nacionalização das operações de petróleo e gás boliviano foi sintetizado pelo mais ilustre comunista arrependido do país, deputado Roberto Freire (PPS-PE). Com originalidade, o deputado atribuiu ao governo Lula a culpa pela crise com a Bolívia. Mas ressaltou que o decreto do presidente boliviano foi um legítimo ato de soberania e que deve ser respeitado, uma vez que Evo Morales foi eleito pelo povo.
    Ou seja, se segui o raciocínio, Lula e o Itamaraty falharam porque não conseguiram impedir que Evo Morales tomasse uma decisão soberana no país onde foi eleito presidente pelo voto popular. Em suma, Lula e o Itamaraty erraram porque não foram suficientemente imperialistas.
    Os ranhetas que até outro dia defendiam a privatização da Petrobrás estrebucham indignados com essa afronta ao brios nacionais. Numa mistura de satisfação e horror, acusam o governo de incompetência e Morales de populista. Não me espantaria se até domingo descobrissem armas de destruição em massa na Bolívia. Nos próximos quarenta dias, serão os bolivianos os nossos vizinhos detestáveis da vez.