Interessante observar os diletos defensores da ampla liberdade de expressão criticarem a reação exagerada da comunidade muçulmana contra as caricaturas do profeta Maomé, acusando-a de não compartilhar os valores da sociedade ocidental, e manifestaram apreensão com a vitória do Hamas nas eleições palestinas.
Novidade nenhuma. A repercussão da eleição do Hamas na AP e a campanha solidária pela liberdade de imprensa movida pelos jornais europeus são apenas o exemplo mais recente de uma velha tese: ninguém gosta muito de democracia. A democracia parece aquela tia solteira que todo mundo adora e acha o máximo, mas queria mesmo era que estivesse bem casada.
Ainda que a apreensão da comunidade internacional se justifique pelo histórico envolvimento do partido em atentados terroristas, deve-se lembrar que o Hamas venceu o pleito através de eleições livres e sem fraudes aparentes, como manda o figurino. Muito diferente do que aconteceu com a maior democracia do mundo em 2000. Chegando ao poder de maneira legítima e não pela via armada, o Hamas fez uma opção política e espera-se que a alternativa terrorista seja descartada. Justamente por isso, merecem algum crédito. E torcida, muita torcida.
Em artigo do Aliás de hoje, o filósofo Tariq Ramadan considerou a publicação das charges "uma forma obtusa" de analisar a questão da liberdade de expressão. Para evitar a idolatria, os muçulmanos proibem a representação da figura humana e a iniciativa de fazer uma caricatura do profeta parece uma provocação gratuita. Provocação que, segundo o filósofo, não deveria levar a reações tão emocionais da comunidade. Ramadan aponta que o mais grave nesse caso não são os inexistentes limites legais para a liberdade de expressão, mas os limites cívicos. Retratar Maomé com uma bomba no turbante não é um simples exercício do direito de opinião, mas uma ofensa a todos os muçulmanos. Em poucas palavras, é crime e tem nome: racismo.
Os muçulmanos não são menos democráticos porque não elegem os candidatos preferidos pelo Ocidente e porque não acham muita graça nas piadas que fazem sobre sua tradição, não quer dizer que lhes falta senso de humor. Estão sendo apenas coerentes. Outra coisa que as democracias ocidentais nunca entenderam muito bem.