domingo, maio 29, 2005

Histórias de bar

A história abaixo é contada por Aluízio Falcão em matéria do Caderno 2 de sábado (28/05). Nela, ele comenta duas obras que tratam da boêmia paulistana e lamenta a falta de trabalhos sobre os bares da cidade.
PS: Tomara que não encontre nenhuma celebridade nos próximos dias.
Era conhecido como Zé do Pé. Advogado e funcionário de uma autarquia federal, andava pelos bares em companhia da elite paulistana, desde o happy hour até altas horas. Andar com gente importante era sua maior alegria. E os grandes apreciavam sua verve, inteligência, ritmo perfeito no levantamento de copos.
Ainda hoje corre pela noite o que se passou entre Zé do Pé e o banqueiro Walter Moreira Salles. Zé não conhecia Walter, que certa vez adentrou o bar do Hotel Jaraguá e foi caminhando em direção ao banheiro. Passou batido pela mesa onde o boêmio estava com os amigos aristocratas. Vendo aquela celebridade e animado pelo bom scotch, Zé teve uma idéia. Dirigiu-se ao banheiro, onde encontrou o financista.
- Doutor Walter, desculpe abordá-lo, o senhor não me conhece, mas venho pedir-lhe uma grande gentileza. Não é dinheiro não, fique sossegado. Acontece, doutor Walter, que o meu prazer na vida é estar próximo de pessoas importantes que fazem o favor de me estimar. Eu seria um homem feliz se pudesse dizer aos amigos que estão comigo, naquela primeira mesa, que o doutor Walter Moreira Salles me conhece. Basta que o senhor, passando na mesa onde estou, ponha a mão no meu ombro e diga "tudo bem, Zé?". Nada mais que isso. Eu respondo "tudo bem, doutor Walter", e o senhor vai embora.
O banqueiro, perplexo, escutou o pedido feito naquele tom entre desabafo e afetividade que só os boêmios veteranos conhecem. Que diabos, pensou Walter, o que me custa saudar rapidamente este homem carente de prestígio? Optou pela gentileza, prometeu a saudação. Zé do Pé agradeceu, de olhos úmidos, voltou para o seu canto no bar.
Daí a minutos, lá vem o famoso banqueiro. Pára na mesa indicada. Todos os olhares voltam-se para ele, que põe cordialmente a mão no ombro de Zé do Pé e faz a pergunta combinada: "Tudo bem, Zé?" E Zé do Pé, triunfante, com absoluta intimidade, empurra bruscamente aquela mão do seu ombro: 'Ah, Walter, não enche o saco!' O banqueiro retira-se, aturdido. Os amigos do boêmio passam a crer piamente no comentário que ele fizera minutos antes, ouvido com absoluta descrença: "Tudo que temo é o chato do Walter Moreira Salles vir puxar conversa comigo..."

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